sábado, 27 de outubro de 2007

Na Imprensa



Entrevista para Portal Verdes Mares (Março 2006 - Fortaleza, Ceará)


Na terra do humor, temos um dos heróis da resistência do teatro cearense. Carri Costa faz comédia nos palcos, apesar de ter iniciado na arte contracenando um drama, "Paixão de Cristo", no estado de Pernambuco. Não demorou para voltar ao Ceará. Nasceu em Pacajus, mas veio foi para Fortaleza, onde fez o Curso de Artes Dramáticas da Universidade Federal do Ceará. Daí foi um pulo para participar de "Dom Joaquim", que motivou sua ida para o lado cômico. Peças e mais peças passaram na vida de Carri Costa, mas foi com Tita e Nic que encontrou a recompensa de tanto trabalho. Vinte anos depois, ele pode comemorar o sucesso da peça Tita e Nic, que está na sua terceira versão. - Rodrigo Santiago

Como você iniciou na vida artística?


No teatro eu comecei no ano de 1982, em Pernambuco. A minha primeira experiência profissional foi com a "Paixão de Cristo". Não foi comédia, muito pelo contrário, é drama. Passei toda a década de 80 fazendo teatro de bairro. Fiz o CAD, Curso de Artes Dramáticas da Universidade Federal do Ceará. Ao encerrar o curso, a gente fez uma grande comédia, "Dom Joaquim", que me motivou a ir para o lado cômico. Era uma sátira a Dom Giovanni, que trouxeram à Fortaleza para reinaugurar o Teatro José de Alencar. Em título de protesto a gente fez essa brincadeira.



- Mas por que você trocou o drama pelo humor?


Uma coisa que eu passei a prestar atenção é que o público gosta muito de comédia. Não só aqui em Fortaleza, como no país e no mundo inteiro. Eu vi que algo característico do Ceará é o bom humor. Queria saber como poderíamos usar de uma forma mais qualificada esse humor. Dizem que o cearense gosta de um humor escrachado, mas não é verdade. Ele gosta é do humor "cabeça". Queria fazer um humor sofisticada, não elitizado. Quem assistir aos meus espetáculos, vai assistir a uma sátira limpa, sem apelo pornográfico, por uma opção minha, que queria resgatar a comédia que se fazia nas décadas de 40 e 50. Era uma picardia sub-entendida.


- Você é cearense, mas começou no teatro em Pernambuco. Por quê?


É incrível isso. Eu fui fazer teatro em Pernambuco porque eu precisava fazer um segundo grau bem feito e de graça. (risos) Fui seminarista em Carpina, no interior de Pernambuco. Era para passar cinco anos e só passei um, vim correndo de lá, desesperado. Acho que é o destino mesmo. Lá o "víruzinho" do teatro me pegou. Lá que eu vi o que é uma ribalta, um urdimento, um palco, uma platéia. Fiquei apaixonado e não pretendo largar tão cedo. Pelo menos nessa vida não, quem sabe nas próximas. Mas foi vindo para cá que percebi que o teatro pode entrar de uma forma definitiva na vida de alguém. Não sei fazer outra coisa a não ser teatro bem feito.


- Apesar do pouco tempo que você esteve atuando em Pernambuco, deu para perceber diferenças do teatro cearense?


Foi muito pouco tempo. Só tive uma experiência profissional lá. Mas uma coisa eu tenho certeza, que o público pernambucano é maior que o cearense. Isso é explicável. Pernambuco é um estado que tem mais história. As pessoas têm mais acesso à cultura. Enquanto o cearense é do mundo, sai daqui e vai para os cantos, o pernambucano é bairrista ao extremo. Ele adora sua terra. Por conta disso, valorizam sua cultura, sua arte e seu teatro. Mas acho que está mudando. Fortaleza está melhorando a qualidade dos seus espetáculos e o nosso público está crescendo cada vez mais. Basta ver que o "Tita e Nic" alcançou um público de 200 mil pessoas, fato inédito aqui em Fortaleza. Não só para a gente, mas para o próprio teatro cearense.



- Você, que teve experiências em tragédias e comédias, concorda que é mais difícil fazer humor?


Concordo em gênero, grau e número. É difícil você puxar um riso. É fácil você puxar um choro, emocionar. Mas para fazer rir a pessoa tem que ter muito talento e vocação. Tem que ocorrer uma identificação imediata com aquela piada.


- Como nasceu a idéia da peça Tita e Nic?


Eu ganhei um livro, centenas de anos atrás, que tinha a história do Titanic. Achei curioso aquela tragédia. De repente eu soube que estava sendo o filme, que iria ser o maior orçamento, e fiquei instigado para ver. Na primeira semana fui assistir e me emocionei. Na segunda fez quis conferir a técnica. Era muito bom, fantástico, com efeitos maravilhosos. Na terceira vez fui assistir como moleque e resolvi fazer uma sátira em cima. Eu via que todo mundo tava fascinado com essa história e que a mensagem passada era aquela coisa melodramática do homem probre se apaixonar pela moça rica. Se lasca, se lasca, se lasca e fica feliz no final. Aqui ou no outro mundo fica. (risos) Juntei uma turma, a Companhia Cearense de Molecagem, e escrevi um texto, que na época chegou a ter duas horas de duração. Fui cortando, cortando e acabou nessa uma hora e 15 minutos. A segunda versão surgiu com a mudança do personagem. A Pollyana Moraes, que fazia a primeira e ficou um ano e meio, desistiu porque tinha um outro espetáculo. Então chamei o Fernandes, a Escolástica, que esteve na peça por mais de dois anos. Também saiu para fazer outros shows. O Timóteo, que fazia outros personagens, foi chamado para a terceira versão e está sendo um sucesso.



- Desde o seu tempo de criança em Pacajus, sempre existiu a vontade de ser artista?


Eu acho que sempre fui um grande moleque, um grande brincalhão. Mas toda criança é um ator em potencial. Será desenvolvido dependendo do seu meio ou de como as coisas acontecem na sua vida. Quando se brinca com nossos brinquedos, fazendo a sonoplastia do barulho do carro ou de um tiro, é um exercício teatral. Eu fazia tudo isso e adorava construir cidades, até que o pessoal achava que eu seria ser arquiteto. Mas o teatro está no sangue, na alma, sou um apaixonado por teatro.



- De onde sai a inspiração para se criar humor?


Do ônibus. Eu adoro andar de ônibus. (risos) Eu acho que tenho umas orelhonas para ficar escutando o que essa "galera" fala. Um exêmplo: "igia". O que é igia? É espia. Eu estava no ônibus e uma senhora disse: "Igia que mulher gorda!". (risos) Essas coisas me faz prestar atenção no comportamento, no jeito de falar, nas palavras. E eu copio aquilo, porque pode entrar no texto. É uma literatura popular, que sai da língua das pessoas. Isso é bem cearense.


- Do seu começo, há dez anos atrás, para agora, houve evolução nos profissionais do teatro cearense?


Eu acho que de cinco anos pra cá, a qualidade dos nossos atores melhorou muito, porque se investiu muito nisso, como o Dragão do Mar. Não só o Centro Cultural, mas também o Instituto Dragão do Mar realizou uma série de estudos, trouxe uma série de oficineiros, de pessoas gabaritadas tecnicamente, e essas pessoas capacitaram melhores os nossos atores. Eles estão cada vez melhores. O Teatro José de Alencar, logo após a sua inauguração, passou a trabalhar com isso, com a qualidade dos atores, então o que foi que aconteceu? Os atores se qualificaram e consequentemente a técnica teve que se qualificar também. Eu acho que a gente tá crescendo, eu acho que em torno de 40 ou 50% anualmente falando. Cada vez surge um espetáculo de melhor qualidade. Isso é comprovado de acordo com os festivais em que os nossos espetáculos são premiados e com o aumento de público que está indo ao teatro.


- Financeiramente falando, melhorou na mesma proporção?


Não, não, muito pelo contrário. Porque o que existe quando você melhora a qualidade de um espetáculo, quando você melhora a qualidade de um profissional, consequentemente se exige muito mais. Se eu tenho um profissional qualificado, ele merece um cachê melhor. Se eu tenho uma técnica qualificada, o profissional merece ser melhor pago porque ele tá estudando pra isso, estão usando material de melhor qualidade, consequentemente devem ser melhores pagos. E o que acontece? O custo de um espetáculo hoje que você vai fazer, o mínimo que você pode arcar num espetáculo é 8 mil reais, o mínimo do mínimo. Eu tenho vários espetáculos que tiveram que parar por conta disso, porque um bom espetáculo custa 35, ou 50 mil reais. Então o que você vai fazer pra conseguir essa verba? O teatro aqui não é subsidiado. Infelizmente, é difícil vc conseguir verba da classe empresarial, é difícil e sempre vai ser. Por exemplo, Tita e Nic agora tem um nome, a companhia agora tem um nome, e mesmo assim a gente não conseguiu essa verba pro espetáculo no Teatro Jose de Alencar, a gente conseguiu apoio, que é diferente, patrocínio é dinheiro para que a gente não tenha custo nenhum. Agora para gente poder estar no Dragão do Mar, a gente está gastando em média 2,5 mil reais. Pra gente tá lá com cartaz, panfleto, camisas tudo, a gente tá gastando 2 mil e 500 reais. Agora é difícil, a gente não tem recurso mesmo, o que pode interferir com o resultado final do espetáculo.


- E quando é que o teatro vai chegar no interior do estado? Isso vai ser difícil?


Vai ser muito. Agora o que eu estou querendo é viajar com um espetáculo diferente no interior do estado. Aí as pessoas me perguntam: "Mas porque você quer ir pro interior do estado ?". A única intenção nossa é continuar com o espetáculo Tita e Nic e não só fazer as pessoas rirem, mas oferecer a elas uma coisa tecnicamente bem preparada, atores bem preparados em cena, verem um espetáculo profissional que exercita o profissionalismo teatral na sua essência. É essa a nossa tentativa, levar o nosso espetáculo para o interior para que o interior também veja isso. É interessante porque a qualidade do teatro no interior só vai melhorar quando as pessoas tiverem acesso a esses espetáculos para melhorarem o seu nível cultural e a sua técnica teatral.


- Qual o sonho de Carri Costa nesta profissão?


Eu quero ser reconhecido na minha terra, no meu estado, não tenho o menor interesse de sair daqui, não tenho essa intenção. Recebi já muitos convites pra sair daqui, ir para Rio e São Paulo, ir fazer trabalho lá. Mas eu quero ser conhecido aqui, no Estado do Ceará. Eu já tenho um teatro que se chama Teatro da Praia. Quero ter um teatro com meu nome mesmo, antes de morrer. Eu quero ser reconhecido, porque eu faço o possível e o impossível, pra me aperfeiçoar enquanto profissional, para que as pessoas gostem daquilo que eu faço. E isso faz com que o retorno venha de uma forma muito legal, as pessoas elogiam o trabalho que a gente faz, como o Tita e Nic. E é isso eu quero, eu quero é trabalhar, fazer teatro, tem muita coisa que eu quero fazer, não só em comédia, tem um projeto que eu quero fazer, um grande espetáculo que eu estou correndo atrás de patrocínio que é um Shakeaspeare, na verdade são dois: Romeu e Julieta e A Comédia dos Erros. Agora será um grande empreendimento e um grande espetáculo. Tem também uma comédia que eu quero fazer depois do Tita e Nic que é o "Albergue Brother Ceará", uma sátira a essa loucura de reality show que está pintando a três por quatro.


- Pode adiantar um pouco o que será?


É a história de um albergue que é transformado em um reality show. O que acontece é que a gente vai nomear os personagens com esses nomes que aparecem nesses programas. Que é exatamente o quê? É uma família em que a mulher fica desesperada porque o marido morre e ela não tem mais dinheiro pra pagar as contas e por coincidência alguém acha que a casa dela é uma pensão e entra. Alguém que vai cobrar uma dívida e faz um "auê" lá e de repente ela diz que a casa não é dela que a casa é uma pensão. E de repente uma sobrinha dela inscreve a casa dela para um reality show e a casa é selecionada. Todo mundo fica hospedado, até quem não é da família. Então é uma loucura, e o público que vai decidir no teatro quem é que sai e quem é que fica até o fim do espetáculo.